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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Elogio da Madrasta - As abluções de Dom Rigoberto

Elogio da madrasta
Mario Vargas Llosa

Quando jovem tinha sido militante entusiasta da Ação Católica e sonhado mudar o mundo. Logo entendeu que, como todos os ideais coletivos, aquele era um sonho impossível, condenado ao fracasso. Seu espírito prático o induziu a não perder tempo travando batalhas que mais cedo ou mais tarde ia perder. Conjeturou então que o ideal de perfeição talvez fosse possível para o indivíduo isolado, restrito a uma esfera limitada no espaço (o asseio ou higienização corporal, por exemplo, ou a prática erótica e no tempo (as abluções e borrifamentos noturnos de antes de dormir).
Tirou o roupão, pendurou-o atrás da porta e só de pantufas, nu foi se sentar no vaso, separado do resto do banheiro por um biombo laqueado com umas figurinhas dançantes em cor celeste. Suas vísceras eram um relógio suíço: disciplinadas e pontuais, sempre se esvaziavam a essa hora, totalmente e sem esforço, como se estivessem felizes de se desembaraçar das apólices e problemas do dia. Desde que, na mais secreta decisão da sua vida - de fato -, decidiu durante um breve fragmento de cada dia, ser perfeito, e arquitetou essa cerimônia, nunca mais padeceu as asfixiantes constipações nem as desmoralizantes diarréias.
Dom Rigoberto entrecerrou os olhos e fez pressão, suavemente. Não era preciso mais nada: sentiu de imediato a comichão benfeitora no reto e a sensação de que, lá dentro, nos vãos do baixo ventre, algo submisso se dispunha a partir e já transitava por aquela porta de saída que, para facilitar a passagem, se alargava. O ânus, por sua vez, tinha começado a se dilatar, antecipando, preparando-se para concluir a expulsão do expulso, para depois se fechar e comprimir, com suas mil ruguinhas, como se estivesse caçoando: “Deu o fora, sacana, e nunca mais vai voltar.”
Dom Rigoberto sorriu, contente. “Cagar, defecar, excretar, sinônimos de gozar?”, pensou. Sim, por que não. Desde que seja feito devagar e concentrado, degustando a tarefa, sem menor pressa, prolongando, provocando um estremecimento suave e sustentado nos músculos do instestino....

Elogio da Madrasta - Candaules, rei da Lídia

Sou Candaules, rei da Lídia, pequeno país situado entre a Jônia e a Cária, no coração daquele território que séculos mais tarde irão chamar de Turquia. O que mais me orgulha no meu reino não são suas montanhas rachadas pela secura nem seus pastores de cabras que, quando é preciso, enfrentam os invasores frígios e eólios e os dórios vindos da Ásia, derrotando-os, e os bandos de fenícios, lacedemônios e os nômades escitas que vêm pilhar nossas fronteiras, mas sim a garupa de Lucrecia, minha mulher.
Digo e repito: a garupa. Não traseiro, nem bunda, nem nádegas nem rabo, e sim garupa. Porque quando eu a cavalgo, a sensação que me arrebata é essa: a de estar sobre uma égua musculosa e aveludada, puro nervo e docilidade. É uma garupa dura e talvez tão enorme como dizem as lendas sobre ela, que correm pelo reino inflamado a fantasia dos meus súditos. (Todas elas chegam aos meus ouvidos mas não me irritam, antes me lisonjeiam.) Quando ordeno que ela se ajoelhe e beije o tapete com sua testa, de maneira que eu possa examiná-la à vontade, o precioso objeto alcança o seu mais feiticeiro volume. Cada hemisfério é um paraíso carnal; ambos, separados por uma delicada fenda de pêlo quase imperceptível que se afunda no bosque de brancuras, negrumes e sedosidades embriagadoras que coroam as firmes colunas das coxas, me fazem pensar num altar daquela região bárbara dos babilônios que a nossa extinguiu. É dura ao tato e doce aos lábios; vasta no abraço e cálida nas noites frias, um travesseiro macio para repousar a cabeça e uma fonte de prazeres no momento do assalto amoroso. Penetrá-la não é fácil; até doloroso, a princípio, e mesmo heróico pela resistência que suas carnes rosadas opõem ao ataque viril. São necessárias uma vontade tenaz e uma vara profunda e perseverante, que não esmorecem diante de nada nem de ninguém, como as minhas.